sábado, 23 de agosto de 2008

Sem dinheiro e sem preço

Faz pouco tempo numa aula na UnB, uma das minhas professoras estava indignada a respeito de programas como “Amigos da Escola” e outros semelhantes.
Segundo ela, essa é a definição pura de assistencialismo, onde tem-se o pai de um aluno fazendo um trabalho que alguém deveria ser pago para fazer. Pensei no que ela falou e concordei em parte. Alguém fazendo de graça tira o emprego de outro, mas por outro lado, você, eletricista, vai deixar faltar luz na escola do seu filho porque o governo não paga ninguém para resolver um problema muitas vezes simples? Complicado não?!
Voltei a prestar atenção na revolta dela, que só ia se expandindo, até chegar no limite:
“Ninguém tem tempo de fazer trabalho voluntário”
Não pude acreditar no que acabara de ouvir. Pensei que tivesse me distraído e perdido o contexto em que aquela frase veio inserida.
Ela continuou, pegou um garoto como exemplo e começou a perguntar qual a rotina dele. Este descreveu uma vida atarefada e ela repetiu: “Ninguém tem tempo de fazer trabalho voluntário”. Como se não bastasse, continuou defendendo sua colocação, disse que não podia se dar ao luxo de gastar os minutos precisos que estaria com seus filhos, fazendo trabalho voluntário. Disse ainda que esse tipo de atividade não enche barriga de ninguém, e outras atrocidades que me deixaram completamente chocada. Quis gritar, agora quem estava indignada era eu! Até hoje não sei porque não o fiz, talvez a passividade e apatia com que meus colegas escutavam aquilo tenham me deixado paralisada.

“Ninguém tem tempo de fazer trabalho voluntário”

Posso aceitar que muitas pessoas não o façam por realmente acharem que não tem tempo, por acreditarem que sempre existirá alguém para fazê-lo ou qualquer coisa do gênero. Mas, propaganda “abaixo o trabalho voluntário” foi demais pra mim. Será que somos tão egoístas a ponto de deixar crianças morrendo pelas ruas, idosos apodrecendo tristes em asilos e não temos um segundo para agradecer o Pai Celestial por todas as coisas que possuímos? Será que somos tão miseráveis de espírito que não podemos fazer doações simples a uma instituição de caridade? Quem já visitou um asilo ou orfanato ao menos uma vez, sabe que qualquer coisa serve. Se você não tem dinheiro, pode dar livros, se não tem livros, pode dar brinquedos, roupas que não usa mais ou o seu carinho, seu tempo de um dia. Não precisa passar o dia todo nem ir 3 vezes por semana e é também uma boa atividade em família. Tenho uma tia que todos os anos quando vem ao Brasil leva seus filhos num orfanato e diz “É pra eles aprenderem que tem gente que precisa das coisas mais do que a gente, e sempre lembrarem de serem gratos por tudo o que têm”.
Já faz algum tempo que estou procurando um lugar onde possa compartilhar minha música, confesso que se estivesse realmente procurando já teria achado, mas caiu no meu colo a oportunidade de fazer uma oficina num abrigo infantil. Estou empolgadíssima para ir lá e quando chamei um amigo para me ajudar, achando que ele ia fazer corpo mole, fiquei surpresa quando a resposta veio:
“Vamos sim Ná, a gente pode combinar de ir num sábado, uma vez por mês pra ensinar música pra essas crianças, pra gente poder também pagar tudo o que Papai do Céu faz pela gente...”
Eu tive vontade de chorar. As pessoas precisam de nós e se alguém acredita que a gente não recebe pagamento, está muito enganado. Meu irmão é escoteiro, e dedica suas sextas-feiras à noite distribuindo sopa. Todas as semanas ele vai. Alguém acredita que ele e os amigos dele fazem isso sem receber nada em troca? Sinceramente eu não acredito.
Daí alguém pode me dizer que já tentou fazer algo do tipo e não ouviu nem um “obrigado” ou pior, ainda ouviu um palavrão ou algo semelhante. Somos todos seres humanos, cheios de falhas e, portanto incapazes de julgar. Garanto que dentro do coração daquela pessoa ela foi grata por você se importar.
Ouvi uma história uma vez, de um garoto que jogava bola perto da casa de uma senhora. Todas as vezes que a bola caía dentro de seu terreno, ela pegava e nunca mais devolvia. Um dia esse menino estava limpando a calçada da frente de sua casa das folhas que caíam e percebeu que a dela também estava suja. Ele disse que nem ele mesmo sabe porque, mas limpou a calçada dela. E assim, todos os dias que limpava sua própria casa, limpava a dela. Um dia quando foi sair para brincar, ela o chamou e disse que há muito tempo ninguém se importava com ela como ele se importou. Pediu desculpas por seu mau-humor devolvendo todas as bolas e chamando ele pra tomar chá com biscoito.
Naquele dia, aquele garoto ganhou uma amiga. Acham que isso é não receber nada? Chegar em casa, deitar a cabeça no travesseiro e saber que hoje você fez algo realmente importante para alguém, hoje, você foi muito mais que um ser autômato que levanta, trabalha, come e volta pra casa. Hoje você expandiu suas fronteiras e pensou grande, fez um bem para a humanidade e, quem sabe amanhã não é você que está precisando de ajuda? Porque “a caridade nunca falha”. E você, está esperando o quê



Morena – mar/06

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