sábado, 23 de agosto de 2008
Mocinhas e Bandidos
Restava apenas um pequeno fio de vida... E onde está ele para salvar a mocinha do grande e temido fantasma do desânimo? Desesperada, ela já sucumbe às garras deste monstro implacável.
Mas ele chega! Num pangaré suado ao meio-dia num sol de fritar os miolos. Não se sabe qual o mais magro, se o cavalo ou o cavaleiro... O fato é que chega, ele, o príncipe do sertão! Calçado em suas sandálias de couro queimado, empunhado de sua peixeira sem corte e toda a sua determinação, lá estava o homem que viria salvar Joaninha e, quem diria, seria o grande e único amor de sua vida.
A essas alturas, Joaninha estava no tanque esfregando mais uma muda de roupa que conseguira pra lavar. Havia pouco trabalho a se fazer ali, a quantidade de lavadeiras era muito maior que a de madames para procurar o serviço. Já fazia três dias que o Zé tinha saído e não chegava trazendo comida para os dois. A situação estava difícil para todo mundo e o Zé sempre aprontando... Até que beber o desgraçado não bebia, mas sempre voltava para casa sem dinheiro.
Ao perceber que era ele quem se aproximava rapidamente por cima das pedras, um sorriso surgiu espontâneo nos lábios de Joaninha. Que saudade! Mas ela, que não era boba e conhecia bem o marido que tinha, logo levantou a sobrancelha direita e ficou desconfiada com o possível motivo de toda aquela alegria. Ele, que também conhecia muito bem a patroa, não deu espaço para perguntas e tratou de logo carimbar-lhe um beijo molhado na boca pequena, que sabia que só nessa rudeza apaixonada podia amansar a oncinha de um metro e meio que chamava mulher.
- Oxe Zé! E faz assim na frente de todo mundo agora é?
- É pra mostrá pra quem quisé vê que essa neguinha aqui é minha!
- Pare com isso vá!... E agora me conte o que é que assucedeu nesse tempo todinho que ficô fora. E trôxe comida?
- Oxente, claro neguinha! E pensa que seu calanguim ia lhe dexá morrê de fome?
Joaninha mal podia acreditar no que seus olhos viam. Ele saíra com quase todo o dinheiro que tinham para procurar trabalho e comida. Agora volta com um saquinho de arroz e outro de feijão que não iam durar três dias.
- Ai minha Nossa Senhora, meu Padim Padi Cícero! Zé, cadê o resto do dinheiro? Essa comida aqui, caba depois da manhã!
- Neguinha... cê nem vai consegui creditá no que eu vou te contá...
A animação do Zé não consola nem um pouco Joaninha que já começa a chorar antes mesmo que ele diga alguma coisa. Depois de alguns minutos de rodeio, finalmente ele solta a bomba:
- Neguinha, a gente tá indo pra Brasília! Eu dei o resto do dinhero pra pagar nossa passage que o moço me vendeu bem baratim!
Foi demais para ela. Seu corpo amolecido só não encontrou o chão de maneira brutal porque, afinal de contas, essa história tem mocinho! Mas e a barriga? O Vicente ia chegar em três meses! Podia ela fazer viagem tão longa naquele estado? O Zé ficou doido de vez! Só podia...
- Intão fala pro seu filho que ele vai sê lixêro! Ou que vai prantá o dia todo, vai chegá em casa e num vai tê o que comê! ... Neguinha, essa é a nossa chance de levá nosso minino pra iscola, de educá ele! Pra quando nóis ficá véio ele podê cuidá de nóis também...
Joaninha chorou a noite toda. O Zé tava certo... No mais, podia ela vê-lo partir e ficar? Não, não podia. Nem ele o faria. E as passagens? Já estavam pagas e tudo o que ela queria era o melhor pro Vicente.
Nessa hora, nossa mocinha abriu a porta de casa e, de súbito, foi raptada por uma centelha de esperança.
Morena - mar/06
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