sábado, 23 de agosto de 2008

Ele, ela, às vezes eu

Mas... o que seria do amor sem os conflitos? Sem a sensação de proibido, escondido... sem suor, nervosismo, esconderijo... sem dar tudo errado? Pode alguém amar com toda a sua alma, pode alguém se entregar tão completamente a uma pessoa que sempre esteve passivamente ali?
Ela se revirava na cama e não podia dormir. Tinha dito tudo. Nada mudou. Se entregara completa, todos os seus sonhos, desejos, expectativas, vontades... Tudo em suas mãos, exceto um deles. Era uma promessa feita a outrem, não a podia entregar. Seria ele tão incompreensível e egoísta que não podia “emprestá-la” por aquele curto espaço de tempo? Seria aquele, tanto tempo assim?
Ele não disse que não podia. Ela entendeu assim mesmo. Foi pra cama triste, nem se deu conta que o dia ainda não tinha acabado. Estava decidido, e ele assim o fez. Acabado, pela primeira vez claro como que iluminado pelo foco de inúmeras velas. Seu peito descansou no colchão fino e procurou assim mesmo sorrir. Todo o possível havia sido feito.
No outro dia uma surpresa. TODOS sabiam o quanto ele ficara abalado com suas palavras. TODOS sabiam que elas, de alguma maneira, penetraram aquela fria superfície e ao menos ligeiramente tocaram um coração trancafiado em uma masmorra de ânsias e temores.
Podia aceitar a rejeição. Podia, e estava pronta a fazê-lo. Mas não a covardia... Essa não. Porque enfrentara todos os seus fantasmas, ou acaso se pensaria não ser ela assombrada por tantos deles? Mas enfrentara. Combateu seu orgulho e reuniu toda a pouca humildade que a duras penas sobrevivia em seu âmago, subiu bem alto e venceu-os.
“Você não tá entendendo quase nada do que eu digo...
Eu quero que você venha comigo!”
Há quem diga que ela saltou de um penhasco, agora não tinha mais volta. Assim, também ela definiria quando percebesse que lhe faltara o chão. O microfone escorregando por entre seus dedos e as pernas tremendo tanto que a qualquer momento não mais resistiriam. Só porque ele a via e se ela fazia algo, era pra ele! O presente teria sido melhor se o tivesse conseguido afinar...
Lágrimas não lhe quiseram descer pela face. Cobriu-se dos pés a cabeça. Por que só ela não sabia? Por que ele não vinha dizer-lhe? E o sono cada vez mais se afastava daquele quarto. Esperaria saber a resposta? Perguntaria outra vez? Não. O que havia para ser dito, foi dito. E finalmente pôde dormir... Não se sabe se de resolução ou cansaço.
Que fazer? Esperou. Viu-o. Tremeu. Nada... não lhe podia dizer nada. Seus pensamentos se chocavam na cabeça. Como? Não tem nada a me dizer? Pode contar a TODOS e me deixar sem saber? Não te preocupa me perder? Não lhe custaria nada nesse andar da carruagem...
Esperou mais. Via um gol preto, duas portas, parado na frente de casa todos os dias quando chegava. Gostava de pensar que abriria a porta e lá estaria ele, sentado no sofá, esperando para lhe dizer que não queria ficar sem ela, e que aceitaria seus sonhos e compreenderia o único que lhe não podia entregar. Que a não esperaria, pela passividade que a palavra remete, mas que se prepararia para que seu encontro no futuro pudesse então definir como todo o resto seria. Ha ha ha ha ha ha.... só podia rir mesmo... no dia que encontrasse alguém, homem suficiente para sozinho decidir ser o “pêgo” desse pique-esconde onde o coração e a razão não conseguem brincar juntos, podia ter certeza de que era uma mulher travestida. Homem não percebe essas coisas. Não entende que muitas vezes a gente termina sem querer terminar, que vai embora querendo ser seguida, que fica furiosa, mas não quer ser ouvida nem receber desculpas. Quer só um beijo com gosto de “putz! Você fica linda quando está brava” que te rouba as palavras da boca e te faz sentir desejada, protegida... te faz sentir mulher! Porque por mais segura que a gente seja, ainda somos frágeis. Feminismo de queimar sutiã é feminismo burro. Não quero ser tratada que nem homem, não quero carregar peso e nem ganhar tapa nas costas quando for cumprimentar alguém. Só quero ser valorizada pelas minhas capacidades e receber elogios de um cara que sabe “pegar” e beijos que vão me fazer sentir requisitada. Porque “homem sensível” é aquele que procura entender a gente, não ser igual à gente.
Sente que já esperou demais... “O que você não pode decidir em um dia, você não pode decidir...” e ela não sabe viver com gente fraca. Quem desiste de sonhos por medo não merece o tempo dela. Parece que usou toda a humildade que tinha para dizer a ele o que sentia...
Pára enfrente ao espelho com uma tesoura na mão. Deixa-se focar por alguns instantes... Junta todo o cabelo num rabo de cavalo e passa a lâmina bem rente à cabeça. Repete o feito mais duas ou três vezes. Novamente deixa-se mirar no espelho. Não se sente mais bonita, e nem o procura. Apenas se sente nova e está pronta para se fazer nova. Mas sabe que não vai ser suficiente.

Morena - mar/06

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