sábado, 23 de agosto de 2008

Ele, o pai e elas


Ele sentou-se no meio da rua e começou a chorar. Tudo o que desejava era não ter estado ali e nem ter ouvido o que ouviu. Como era possível? A foto datava de 1945 e na lembrança só lhe vinham as conversas com o pai sobre a maneira peculiar que Ela tinha de preparar o chá. Como poderia aquilo tudo ser verdade? Ele enxuga as lágrimas e chama um táxi. Ajeita a pequena mala no banco traseiro e se senta ao lado. Lágrimas ainda lhe percorrem o rosto enquanto diz:
- Para o aeroporto por favor.
O motorista puxa assunto e vez por outra ele responde com um monossílabo qualquer, mas seu pensamento está distante, repassando diversas vezes a cena que vivera momentos atrás:
- Lamento que você tenha descoberto tudo dessa maneira... não era para ser assim... me perdoe!
A luz forte do aeroporto interrompe seus pensamentos perdidos e ele desce do carro. Paga o táxi e vai em busca de seu destino.
- 1945... - repete ele baixinho - como é possível que fosse ela?
- Existem muito mais verdades na vida do que as em que estamos dispostos a acreditar. - fala uma voz por cima do ombro Dele.
- Pai?! Mas... o que você está fazendo aqui? Como sabia onde me encontrar?
- Ela me ligou chorando quando você saiu, imaginei que estaria aqui. Fugindo! Como sempre...
- Então você sabe porque... Você sabia o tempo todo?
- Desculpe, mas como é que eu ia te contar? Você estava feliz, Ela estava feliz... para que saber?
- Mas como?
- Eu a reconheci. Ela e sua avó eram muito amigas. Ela teve que me contar.
- Isso não pode estar acontecendo... eu tenho que ir.
- Espere! Deixe-me explicar...
- O avião estava atrasado duas horas e mesmo assim o pai não parecia se aproximar de uma conclusão.
- Então ela se apaixonou por mim quando eu a atendi no hospital? Mas ela estava delirando! A beira da morte!
- Sim, mas foi só aí que ela pôde reconhecê-lo! Só então ela o identificou... sua alma gêmea!
- Isso é ridículo. - disse ele, articulando bem os lábios como se seu pai os tivesse lendo.
- Não seja cético meu filho! Dê uma chance a você mesmo e ao sentimento que cresce no seu peito! Vocês querem ficar juntos e...
- Pai, ela morreu!
- Mas voltou! Jovem, bonita e... e o chá que ela faz? Igualzinho ao da sua avó...
- Escuta o que você está falando! Essa mulher tem 95 anos! E está morta! Isso é impossível! E você está a duas horas falando, mas não disse nada!
Nesse momento parece que o pai perde a cabeça e por um instante parece não pensar no que diz:
- Você não conhece a Morte! - As palavras do pai ecoam no ar... Ele, que já estava de costas, vira-se novamente e não acredita no que ouve.
- Você não conhece a Morte! - repete o pai com os olhos arregalados. - Você não a conhece! Linda, carinhosa, de vermelho... a Morte não é como dizem. - mais calmamente o pai continua - ela é colorida e tudo ao seu redor também fica quando ela se aproxima... parece... parece um anjo! Mas seu olhar profundo não deixa esconder quem ela realmente é. - neste momento o pai olha para baixo e parece buscar coragem para emitir a próxima frase:
- Eu também voltei... Por você. Por sua mãe. Milagres não existem. O que existe é o amor... e a Morte.
- Mas... mas como?
- Não dá para explicar... isso é entre você e ela. Entre cada um de nós e ela.
- Tá bom, pra mim já chega. Isso tudo é demais para a minha cabeça. Eu vou embora.
- Então você vai deixa-La sofrer por uma vida inteira outra vez?
Ele emudeceu. Seus olhos novamente se encheram de lágrimas. Ele olhou o pai com carinho, como se assim pudessem se comunicar, secou o rosto e partiu.

Morena - ago/08

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