quinta-feira, 4 de junho de 2009

Borboletas

A lagarta caminha a passos lentos em direção ao seu destino. Saberia ela o que a espera?
Provavelmente não. Ela age por instinto. Mas caminha resoluta e sabe bem o que quer, onde quer e quem quer.
Se ela tivesse a mais remota ideia dos eventos que se seguiriam, provavelmente teria titubeado, parado no meio do caminho e dado alguns passos para trás. Não. Ela não sabia. Mas mesmo assim vai até o ninho e se recolhe.
De repente, a lagarta começa a sentir seu pequeno corpo endurecer. Ela acha que está ficando mais forte! Agora nada poderá feri-la! Ela enche o peito e se torna ousada, destemida e por sua cabecinha passam vários dos seus sonhos... Só que endurece demais e a sensação é sufocante! Antes de perceber, está presa dentro de si mesma. Não pode mais sair dali. Todos os seus desejos, mágoas, alegrias, todos os seus anseios e realizações se tornam apenas devaneios e passam a fazer parte do interior solitário da triste lagarta.
O que se pode fazer? Tirá-la de lá? Não... A lagarta é uma criança, ainda tem a vida toda pela frente e terá que se descobrir sozinha. Terá de ser sua própria amiga e aliada. Quem poderá saber o que se passa dentro daquele casulo?
A lagarta pode passar meses ali. Depende da sua espécie. Depende da sua auto-estima e determinação. Depende da sua vontade de viver e de conviver. Da sua disposição...
Mas um belo dia, quando ela menos espera, uma pequena abertura aparece no casulo. Aquele que era sufocante e apertado, o mesmo casulo ingrato que causou tanta dor e sofrimento já se tornou quente e aconchegante. A lagarta não viu a placa: "não acomodar com o que incomoda" e aquela pequena abertura que a tempos seria acolhida com risos e gritos de conquista, apenas fazem com que ela feche os olhos para não sentir arder com a entrada da luz.
E aí? Acabou?
Ela, mais uma vez, não tem ideia do convite que aquele foco de luz representa, mas tem medo. E provavelmente não vai conferir, vai se virar de lado e tampar a entrada de luz com as costas. Mais fácil do que tentar sair por aquele buraquinho tão pequenininho.
Mas felizmente, ou não, só não sai do lugar quem não conhece a raiva, e na vida de cada lagarta deve existir aquele momento mágico, no limiar da sobriedade racional e da cólera insana quando em um grito de dor e desespero ela se espreme pela aberturinha. Nem ela mesma entende o que está fazendo, a raiva não permite que ela calcule suas dimensões gordas e flácidas por aquele orifício milimétrico. Não. Ela não pensa, e nem tem tempo de sentir dor. Ela só se empurra com todas as forças que tem contra aquela esperança de liberdade.
De repente pára. Ao observador, parece que desistiu. Mas não a desistência pelo desânimo, e sim pela derrota: ela não foi capaz e ponto. Mas, teria ela lutado até o fim? Até que seu corpo débil não conseguisse se erguer mais? Até que, fatigada, ela desse seu último suspiro? Não. E por certo não poderia continuar a viver sem a certeza de que era realmente incapaz.
Dessa vez, num acesso de coragem e recheada de ideais de conquista, ela se lança novamente contra a abertura no seu casulo. Parece que a raiva dobrou, que ela chorou e finalmente acreditou em si mesma. Nas suas capacidades. Só aí o casulo rompe e ela entra em contato com o mundo exterior.
Cansada e murcha, ela respira ofegante sem compreender o que aconteceu consigo mesma. Analisa suas asas amassadas e não consegue visualizar a transformação. Ela pausa perplexa e olha ao redor.
"Quem sou eu?", "Onde estou?" Serão suas próximas perguntas caso ela não se encontre na frente de um no espelho. Nesse caso, a pergunta então será: "Quem é essa?" E ela verá que seu corpo seca e enrijece, abrindo então suas lindas asas...
Em um bater do vento ela, meio sem querer, bate também as asas e se entrega a sobrevoar a cidade. "É uma linda borboleta azul", diria uma criança a apontar seu voo. Ela é, de agora em diante, nada mais, nada menos que uma linda borboleta azul. Mesmo que não entenda bem o processo, mesmo que ainda tenha dentro de si lembranças e mágoas daquelas dores que sentiu e mesmo que ainda tenha medo de alcançar potência máxima e explorar as mais elevadas altitudes, ela é uma linda borboleta azul. E, uma vez borboleta, lagarta nunca mais.

Morena - jun/09

Resgate

Me perdi e não posso me encontrar.
Não sei onde me coloquei, se você me achar, por favor, avise!
Não posso mais viver sem mim

Me amo tanto e sinto tanto a minha falta!
Me procuro nos cantos, nos contos, nos versos e nada de mim

Um dia, olhei atrás da escrivaninha e encontrei gnomos de nariz grande e cavalos alados...
Mas eu também não estava lá

Sentei em um cantinho e chorei duas lágrimas de saudades e uma de tristeza,
Pensando no tempo em que sabia o que queria,
Para onde ia e o que fazia.
Com quem fazia.

Cada dia descubro um sarau de sapos intelectuais dentro de uma gaveta,
Ou ouço o coral das cores quentes cantar com a orquestra das cores frias
Entre os cabides dos meus vestidos,
E me sinto mais perto de mim mesma

Às vezes fecho os olhos e sinto minha respiração forte,
Mas quando abro, só vejo o escuro vazio de estar sem mim...

Espero que seja em breve,
Que em breve consiga me encontrar,
Poder sentir meu proprio cheiro ja me enche de esperancas...

E quando em fim esse dia chegar,
Já vou saber falar todas as línguas das minhas descobertas e,
De repente o mundo de dentro de mim vai sair do meu quarto e conquistar a casa toda,
Crescendo e crescendo até tomar a rua, a quadra...

Quando isso acontecer,
Quando puder finalmente me entender,
Estarei finalmente pronta para encontrar você.

Morena-jun/09