sábado, 19 de dezembro de 2009

Até que a paixão acabe

Será que acredito que casamentos deviam ser simplesmente na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza até que a paixão acabe?

Ontem presenciei uma cena tão bonita... ele, completamente apaixonado. Não se esquecia dela e sempre que aparecia uma deixa, seus olhos verdes se entregavam e nem precisava falar, todo mundo já sabia. Fora a agonia de encontrar e, mesmo que estivesse tudo perfeito, estar com ela seria por si só mais que perfeito. E, se se distraía, era por poucos segundos, até sentir o celular vibrar no bolso. Mesmo quando nem tinha tocado...

Ela, simplesmente criativa. Passou o dia todo armando como abrir o sorriso dele. Fez planos, arrumou cúmplices, deu voltas, se perdeu, se achou e fez tudo para que os olhos dele brilhassem ainda mais. Talvez não soubesse que só sua presença já daria conta do recado.

Daí a pouco ele volta, ridículo: sem camisa, de shorts, descalço, com um balão de hélio amarrado no pulso, um colar de papel com letras garrafais escrito “FELIZ” e uma saia das letras “ANIVERSÁRIO”. Provavelmente ela ligou e disse “estou aqui!”, e ele saiu da piscina num pulo para encontrá-la. Quando alguém perguntava “quem fez isso com você”, ele sorria, mais com os olhos do que com os lábios, e respondia “Adivinha?!”, enquanto eu pensava sozinha: Para se permitir desfilar desse jeito só muito apaixonado mesmo. Momentos antes, me mostrou a foto dela que já ocupava o papel de parede do celular...

Sorri ao reparar que ela estava de salto no barro. Quanto esforço por um sorriso, por um querer bem... Já pude imaginar as latinhas amarradas no pára-choque e o vidro escrito de batom: “Recém casados”. E dali eles partindo para a lua de mel e as letrinhas subindo enquanto o narrador concluía “E viveram felizes para sempre”.

No entanto, de outros carnavais, me lembro que ele era casado. Posso estar errada, mas não conseguia parar de pensar nisso: E dessa vez? Até quando vai ser? E do meu lado o outro que sempre fez tanta questão da tal da aliança, que até parecia que honrava, já a algum tempo me agonia com um tira e põe interminável. E na frente mais um, que a pouco conheço, mas que ontem, na presença da mulher, até tirou a argola do bolso. Dentro da minha sala, conta aventuras e ex namoradas, mas nunca mencionou um casamento e muito menos os frutos dele.

Me entristeci ao lembrar de mim mesma e da minha história. Ao olhar em volta, ver paixão e pensar naqueles que apenas suportam a convivência e em outros muitos que fingem suportar. Lembro de eu mesma já ter, depois de velha, caído no conto do vigário e acreditado ter encontrado o meu “alguém”, aquele que costumava fazer meu coração bater rápido e devagar ao mesmo tempo... E eu, que sempre fui um frio metrônomo cardíaco, saí tanto do compasso que achava que mais cedo ou mais tarde ia terminar em pausa...

Algumas pessoas são más. Outras são inocentes. Outras ainda são simplesmente frouxas (Quis usar a palavra “covardes” mas, apesar da elegância, não tem a metade da força). Algumas se apaixonam, outras mentem. Algumas ainda tem a capacidade de fazer os dois. Essas são as mais difíceis de entender... Mas vendo os carros se distanciando na poeira me senti sorrir por dentro pensando em como quero acreditar em contos de fadas e sentir meu coração, morto, acordar num choque e se encaixar em algum outro que possa talvez nem compreender mas simplesmente não julgar, e o mais importante: Não mentir.

“Talvez eu seja o último romântico dos litorais desse Oceano Atlântico”

Morena – dez/09

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Malandro x Vagabundo

Esses dias fui surpreendida com um material interessante para fazer um seminário: uma lista de filmes de Charles Chaplin. Fui na Oscarito e só consegui encontrar um dos filmes da lista: "O circo" de 1928.

Vim para casa sem ter certeza se estava ou não com sorte, afinal, cinema nunca foi o meu forte e filmes antigos me dão sono. Fico feliz de relatar minha surpresa ao descobrir um filme divertido, interessante, cheio de lições e críticas. Um filme mudo que exige da criatividade do espectador para entender cada gesto e localizar as frases soltas.

No dia seguinte, rodei todas as locadoras "cult" da cidade mas só encontrei menos da metade da lista. Empenhada em fazer um bom trabalho, assim mesmo, assisti os que pude na véspera do grande dia:

22h e eu me sentava na frente da televisão para começar uma longa seção de cinema em casa...

Logo de início, quis associar o vagabundo ao malandro, acho que o figurino sempre tão elegante e o chapéu me fizeram a sugestão mas não demorou para que eu pudesse perceber que as semelhanças não vão longe...

O vagabundo Carlitos é capaz de dar a última bicada do leite escasso ao grande companheiro cachorro.
(Vida de Cachorro, 1918).
O malandro Max é capaz de apostar o dinheiro que recebeu da prostituta enamorada.
(A ópera do Malandro, 1978).

O vagabundo é capaz de entrar em um ring de box para pagar o aluguel e a cirurgia de uma mulher cega. É capaz de fugir da polícia e entregar até o último centavo para a alegria da moça.
(Luzes da Cidade, 1931)
O malandro é capaz de inventar uma convocação para a guerra só para não ter que falar a verdade.
(A ópera do Malandro)

O vagabundo não se importa se ele mesmo não sai ganhando, dá uma de cupido e une a amada com o concorrente, admitindo a derrota, sacode o pó das calças e sai rodando sua bengala em direção ao futuro.
(O circo)
O malandro não gosta de nenhuma moça em especial, desde que use saias, ele não se amarra em uma só mulher.
(Malandro é Malandro e Mané é Mané, Bezerra da Silva, 2000)

O vagabundo é humano, até pensa em não arrumar mais problemas mas se apaixona pelo rostinho do bebê e divide com o pequeno órfão o seu pouco sustento.
(O Garoto, 1921)
"A escola do malandro é fingir que sabe amar sem elas perceberem para não estrilar"
(Escola de Malandro, Noel Rosa, 1932)

O vagabundo se apaixona e arranja um emprego para pagar um bom jantar.
(Em busca do ouro, 1925)
O malandro caminha como quem pisa nos corações que rolaram nos cabarés.
(A volta do Malandro, Chico Buarque, 1985)

O vagabundo é doce.
O malandro charmoso.

O vagabundo é meio Robin Wood.
O malandro é meio político.

O vagabundo é um cavalheiro.
O malandro passa por um.

O vagabundo não espera nada em troca.
O malandro sempre ganha a troca.

O vagabundo não pensa no dia seguinte.
O malandro pensa na mulher seguinte.

O vagabundo não procura trabalho.
O malandro não aceita trabalho.

E no fim, com tudo diferente ainda são iguais: nenhum dos dois tem medo do futuro e ambos confiam no próprio taco (seja o da sinuca ou da bengala)...

Uma vez me apaixonei por um auto intitulado malandro. O chapéu quebrado e a calça passada me deixaram encantada. Hoje não entendo porque o malandro é sinônimo de esperteza e vagabundo de preguiça. Para mim, o malandro é um aproveitador e o vagabundo um sujeito apaixonante!

Morena - dez/09

sábado, 5 de dezembro de 2009

Música

Frequentemente pessoas me encontram ou me conhecem e me perguntam:
- Você é música?

Não. Não sou música. Mas se fosse queria ser o Choro pro Zé do Guinga. Ter a beleza, a extensão, a melodia que desliza, a letra que cativa e poder carregar comigo a melancolia, fazer arrepiar e apaixonar qualquer um que colocasse os ouvidos em mim.

Se eu fosse música, queria ser do Chico mais um Choro: o bandido. Para sentir a hamornia entortar todo o meu ser de dentro para fora, para poder respirar ofegante ao ser cantada pela Leny. Para ser fruto dele e do Edu, para poder trazer correndo nas minhas veias o sangue da inspiração de cada um e dos dois juntos.

Ah! Se eu fosse música queria ser parceira do João Nogueira e do Paulo César para poder mostrar ao samba qual a Minha Missão. Passear pela voz de Clara Nunes e ser sempre lembrada como um hino. Cada toque na minha pele intensa causaria em mim mesma o prazer de saber quem eu sou e porque sou. E lembrar que para poder estar viva e ser tocada, acariciada, chorada e amada muita madeira teve que morrer.

Se ainda eu fosse música, seria Insana. Mas poucos me conheceriam. Teria o prazer de penetrar na alma e sangrar o coração. Seria filha de duas mães: Sueli Costa e Ana Terra e mostraria toda a minha força frágil e feminina de ser música.

Se eu fosse música... Não saberia escolher! Felizmente Papai do Céu me fez gente, menina, mulher, senhora. Me pôs uma alma dentro do corpo e fez meu coração reconhecer o bumbo, o surdo e a zabumba como companheiros de batida.

Felizmente, Papai do Céu me permitiu cantar. Tocar e ser tocada por cada canção que me permita a proximidade. Felizmente, Ele me permitiu ser musicista e carregar a música na garganta para onde quer que eu vá. Assim, não preciso escolher, nem me conformar. Posso ser todas sem, ao mesmo tempo, ser nenhuma e posso sentir que a entidade maior vai sempre me acompanhar enquanto eu puder ser sensível e verdadeira com ela e comigo mesma.

"Cantei, cantei! Como é cruel cantar assim..."

Morena - dez/09