domingo, 6 de setembro de 2009

Coquetel com a justiça


Essa semana um amigo me chamou para vê-lo tocar no STJ, entrei na internet e constatei: música ao vivo, arte visual e comida de graça. Por que não?
Ao chegar, fui orientada inclusive sobre a vaga que deveria estacionar. Achei divertido receber toda aquela atenção mas só comecei a entender o que estava acontecendo a partir do momento que tive que colocar minha bolsa na esteira do raio x e passar por um detector de metais. Inclinei a cabeça e me observei de baixo para cima: sandália de couro, calça de tecido estampadíssima, uma camiseta de mangas curtas acompanhada de um casaquinho simpático. Os brincos tocavam os ombros, o cabelo sempre despenteado e uma bolsa de couro enorme e velha. “Ainda bem que eu sou artista!” pensei rindo sozinha, e entrei no elevador já me sentindo meio Luiz Fernando Veríssimo, sentindo o cheiro da crônica que aquele evento guardaria no forno.

“Segundo andar. Descendo...” E eu me deparo com um salão enorme com um chão do tipo que dá até pra comer neles de tão limpo e brilhoso. Para chegar nesse salão, um corredor extenso com várias fotos de ministros pelas paredes e um chorinho gostoso no final da linha.

Fui me aproximando confiante em meio a saltos e gravatas, encostei na bancada ao lado dos músicos e estive lá apenas até que todos tivessem notado minha presença, nada discreta, e tivessem me sorrido com uma expressão de surpresa. Mas, para não pagar de tiete, resolvi dar uma volta na exposição: pintura contemporânea. Na verdade me atrevo a chamar assim mas é por pura ignorância no ramo das artes plásticas: não sei apreciar uma obra constituída de tinta colorida desordenadamente posicionada em uma tela.

Tentei resistir ao “pré-conceito” e observar obra por obra com cautela. A falta de título tornava minha observação ainda mais complicada: como entrar na viagem de uma pessoa que recorta trechos de um jornal escrito em francês e cola em alto relevo numa tela de tintas misturadas e cantos manchados? No que ela estaria pensando? Seria ela francesa? Sobrenome: Tapajós... Improvável, mas possível.

Mais a frente um quadro vermelho com círculos em tons de vinho. Ah! Esse tem nome: “Vermelho”. Hum... não ajudou muito. Mas já no final da minha andança, quando me encontrava quase completamente desestimulada e minha mente se limitava a acompanhar o paladar na degustação daqueles deliciosos canapés de salmão; me encontrei hipnotizada na frente de um redemoinho em alto relevo colorido de verde, laranja e marrom: “Coração da Terra”. E o meu próprio coração se apaixonou pelo dela... Não sei dizer quanto tempo fiquei ali, só sei que demorei a identificar o celular vibrando no bolso e no auge do seqüestro da alma pela imagem, iniciou-se uma seção terapêutica.

- E o seu “ex-amor”? Como vai?

Dei um passo para trás e olhei para o lado:

- Está aqui tocando...

E o próximo diálogo me levou a encarar o terceiro personagem da noite: a maluca, obcecada, que persegue o cara descobrindo onde ele vai e aparece “sem querer” só para estar ao alcance dos olhos se, por acaso, ele quiser voltar. Não! Torci o nariz de repulsa e tentei voltar para a artista, observadora, crítica, capaz de se deixar roubar pelos olhos. Ainda fui capaz de notar uma última tela em tons de verde, azul e branco. Não me lembro do título, mas poderia se chamar apenas “Mar” que seria capaz de cumprir seus propósitos. Linda, ela era a onda, vista de cima quebrando na praia... já pude sentir o cheiro de mar, camarão, sol, a textura da areia fugindo de debaixo dos meus pés no recuo do mar, a viagem que ele inventou, que eu planejei, mas que nunca aconteceu... saco! Lá vou eu de novo. Não foi por isso que eu vim!

Voltei ao salão principal tentando ressuscitar a tiete mas já não podia encará-los tocando, a obcecada não me deixava relaxar com vontade de também fazer parte da cena, mesmo que nunca tenha sido convidada a fazer nem uma ponta que seja nos dramas da minha vida.

Sentei no sofá confortável a devorar os canapés e curtir aquele repertório delicioso que rolava do outro lado do salão. Na hora pensei “é uma pena que não bebo”, apenas porque o champanhe estava rolando solto, mas depois lembrei do quanto acho um máximo estar sempre sóbria e aquela sensação passou. Quarto personagem: abusada, morta de fome. Logo transformei na oportunista e me senti com mais classe. Rata de obras de arte e saraus talvez? E de repente já estava cumprimentado as pessoas a minha volta e regendo a música de fundo já quase com vontade de começar a “vazar” num pedido de respeito ao sabor delicado do cavaco.

Mas o raio da obcecada estava grudada na sola do meu pé e volta e meia me soprava na mente “confessa! Você só veio por causa dele”. “Hora de ir!”, decidi de repente, e desapareci no meio do povo ao som de Pixinguinha...

Morena set/09

Um comentário:

Bárbara Ribeiro disse...

Nossa... quanto conflito interno. rs! Mas só sei de uma coisa. Quando for pra um negócio desses, me chama, pô...! rs...

Muito bom o texto. Muito bem escrito e muita vontade de presenciar a cena.