segunda-feira, 19 de abril de 2010
Pirulito
Ainda não era nada, mas já estava apaixonada...
Ele me leva num buteco, desses bem pé sujo mesmo. Sorrio do contraste entre o cavalheirismo e o ambiente. Um ponto para a ousadia, ele sabe o que está fazendo...
Resolvo entrar no clima: com tanta cachaça a minha volta nada melhor do que pedir todinho! Dessa vez ele sorri e assume de vez a brincadeira.
Não ficamos muito tempo, mas o romantismo dele com cara de serenata e violão, se faz no meio dos bêbados e das mesas de lata. Ele quase pega minha mão, posso sentir o calor da mão dele ao passear por perto da minha. Mas ainda não é hora, e embora os dois queiram muito adiantar o relógio, sabem que a hora não adianta.
Passa um menino vendendo rosas. Tenho certeza de que ele vai jogar com mais afinco e vai me dar um presente. Mas ele não compra. Mais um ponto, por conseguir me enganar... Isso nunca acontece.
E pra fechar a noite com chave de ouro, quando já não esperava mais, ele me compra um presente de um senhor:
- Eu quero um! Tem uma criança na mesa...
E eu ganho um pirulito lindo! Grande, colorido, com um palito comprido e que dá mil voltas até chegar no miolo. Se olhar muito parece que a gente fica meio hipnotizado e o fim nunca chega, parece que a gente vai chupar o pirulito a vida toda porque nunca vai chegar no miolinho.
É um pirulito bem doce, mas que pode ferir a língua. Se mastigar, ele gruda todo nos dentes e não sai nem com escova... tem que esperar amolecer. Mas é só aprender a hora de morder, de esperar derreter e de lamber que dá tudo certo.
Por bobo que pareça, me causou um impacto. Mais três pontos para ele por ser tão charmosamente original e por saber transformar um pirulito ruim em um dos melhores presentes que já ganhei. Guardei de recordação...
Meses se passaram, meses tantos que os anos acompanharam, e um dia acho o pirulito na gaveta. Meu grande pirulito colorido está melado e grudado no plástico. Tenho um pouco de asco ao pensar na idade mas resolvo assim mesmo olhar para ele: em tons de verde e cinza. Não quero jogá-lo fora em vista do que ele significa pra mim e das lembranças que me trás, mas já não o reconheço em sua melancólica velhice... Penso então em porque ele ficou assim? E uma lágrima até se anima em molhar meu rosto enquanto me vem a cabeça toda a cena que envolve aquele presente tão simples... Como foi que ele foi ficar verde? O verde é morno! É a vida que brota da dicotomia entre os mundos: quente e frio. E o que é ser morno? É a linha entre a loucura e o tédio. E por não ser nem um nem outro, talvez o verde seja apenas o "normal". Não gosto de verde, ele é indeciso. Não escandaliza nem santifica. E ainda tem duas caras: pode puxar para o azul ou para o amarelo dependendo do contexto.
Não é mar nem grama. Essas coisas todas cabem nele, mas ele é muito mais. Ele engole toda a razão e a emoção ao mesmo tempo. Ele é humano. Talvez humano demais pra ser encarado de frente. Por isso, amo o azul e o amarelo. Não o verde...
E uma saudade incontrolável invade meu peito, vontade de pegar o telefone, o metrô encontrar ele e não dizer nada. Só fitar seus olhinhos e matar a angústia... É quando lembro que o amor ficou verde, melado, com rajas de cinza. E novamente sinto um pouco de asco.
Como foi que o nosso amor ficou verde? Quando foi que começou a perder as cores alegres e vivas, o doce tão doce e passou a ferir a língua? Certo que foi como deveria ser, mas de repente me bate uma dor de entender o processo: como foi que acabamos assim?
Então reparo que nunca comi o pirulito. Preferi guardar de lembrança. E ele não é exatamente uma lembrança boa de se guardar... Tinha meus motivos de fazer o que fiz e no fundo não me arrependo. Mas me frustra saber que nunca vou sentir o gosto daquele pirulito. Seria apenas mais um? Ou teria mesmo um quê diferente? Uma pimentinha pra quebrar o doce, ou um sabor de doce de leite tão natural quanto a mordida que ele dava na pontinha do lábio inferior quando ficava sem graça...
Quantos beijos, abraços e carinhos eu e você guardamos pensando em amanhã? E a surpresa de notar que depois de um divórcio o comentário não é sobre a falta da risada alta que enchia os cantos da casa. Mas sobre o envelhecer juntos que não vai acontecer.
Ou quando o namoro termina, nada dito sobre os beijos ou a maneira especial que ele tinha de olhar para ela quando estava pronta pra sair. Mas infinitos são os lamentos sobre a primeira viagem juntos que não vai acontecer.
Nunca é sobre o que se perde, mas sobre o que se esperou tanto e não vai acontecer...
De repente penso no tempo que admirei aquele pirulito e dormi sorrindo. Penso em quantas lágrimas e em tanta dor ao perceber o amor se esverdeando na minha frente e eu sem poder fazer nada. Lembro que, na verdade, nunca tirei o pirulito do saquinho. Aprendi que sobremesa vem depois do almoço e planejei mundos e fundos. Só que o almoço nunca chegou...
Passo então a olhar com outros olhos... Será que um dia ele foi mesmo colorido? As pessoas dizem que eu vi o que quis ver, porque passei tanto tempo só olhando e amando que fiquei hipnotizada e acabei inventando um pra mim. Um lindo e apetitoso que meu paladar ansiava conhecer. Mas que de tanto que eu queria, não via. Daí tenho vontade de voltar no tempo e abrir o plástico, comer o pirulito todo de uma vez só e ficar com a língua ferida, o dente grudando, que seja! Mas finalmente saber que gosto tem. Só que quando penso, volto a ser grata pela impossibilidade da volta e por ter feito o que achava certo. Porque se assim não fosse, comeria sem sentir o gosto e ele se tornaria mais um, perdido no meu passado... Acho que assim, tendo quisto e esperado tanto acabo, na verdade, sendo a única que percebeu o tamanho, as formas, as cores e a qualidade do pirulito. Ninguém se deu o trabalho de conviver com ele, de observar cada gesto e cada olhar. Talvez por isso o amor tenha se solidificado. Eu conhecia cada listra e cada cor. Não venha me dizer que eu me iludi, eu só vi o que ninguém mais estava disposto a ver.
Hoje, no entanto, não vejo nada... a vida e a alegria do meu pirulito se apagaram. E toda a nossa linda história de sonhos e expectativas não passam de doces lembranças na fila do esquecimento. Até eu mesma! Meu sorriso, meu tamanho, meus pés e tudo mais que o encantava, já não existe. Nem a beleza que ele tanto via quando passava horas me olhando, ele é capaz de ver com seus olhos escurecidos.
E mais algumas lágrimas se unem a primeira quando, relutante, jogo o pirulito no lixo.
Morena – abr/10
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Um comentário:
Uau... que inspiração, vc quem escreveu isso Naiara? Não conhecia este seu lado poetisa. Nossa, está de parabéns, mesmo sendo um tanto triste, mas muito interessante e de certa maneira me vi na história.
Parabéns pelo talento!!
bjs
Mariana Emília
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