quarta-feira, 25 de novembro de 2009
Relógio
Acordou assustado e percebeu que era tarde. Mal conseguira dormir durante a noite e mesmo assim foi capaz de perder a hora. Com ironia refletiu sobre isso: interessante perder a hora... Será que em algum momento teria sido senhor dela?
Se apressou em enfiar a camisa na calça e sair correndo, nem teve tempo de tomar aquela xícara de pingado que se tornara sua maior religião antes de encontrar a porta. E ele, que não sabia correr, saiu desajeitado pela rua afora.
Já na estação do metrô, a mulher do caixa não tinha trocado e, obviamente as próximas 10 pessoas também não tinham. Tentava, no entanto, ser positivo: o primeiro troco seria o dele.
Assim que o recebeu saiu apressado e, devido a ansiedade, amassou o cartão de passe na tentativa de colocá-lo na máquina de acesso. E mais um bom tempo foi perdido para reverter o processo.
Já ao longe podia-se ouvir o barulho do metrô chegando e seus ouvidos sensíveis podiam até distinguir que aquele seguia para o lado correto. Desceu as escadas burlando uma senhora, quase tropeçando em uma criança e pedindo desculpas sem diminuir o ritmo.
Já podia visualizar a condução quando teve a brilhante idéia de ler o destino: samambaia. Deu alguns passos para trás e, desolado, ocupou logo uma cadeira que acabara de vagar.
Perdi a hora de novo... pensava agitado. Será que não exisitiria um seguro ante roubo de hora? Ele não era tão desleixado para perde-la com tanta frequência. Se acreditava roubado quase todo dia do privilégio de saber onde ela estaria. E mesmo assim não se atrevia a olhar o relógio, como se esse pequeno objeto pudesse atrasá-lo ainda mais. E tão perdido ficou em seus pensamentos e tanto demorou o próximo metrô a chegar que foi por pouco que não permaneceu enquanto o vagão se afastava.
Levantou aflito e se dirigiu à porta quando lembrou estar a apenas três estações do terminal. Respirou aliviado e se preparou para encontrar um acento vazio ao lado da janela, onde poderia confortavelmente apoiar seu violão entre as pernas e curtir a pouca paisagem que lhe dava direito as entradas e saídas dos túneis.
Quando o transporte parou, grande surpresa ao reparar os "bafinhos" no vidro e pensar que não era possível que ainda ele conseguisse entrar, calculou. Mas mesmo assim deu um passo a frente e sentiu o guada-chuva prender atrás de si. Tentou ainda puxá-lo com força mas notava apenas que ficava mais preso e que logo alguém tomaria o pequeno espaço que ele reservara para si dentro daquele vagão. As portas se abriram e ele soltou um breve suspiro ao lembrar do preço do guarda-chuva, antes de soltá-lo e dar aquele primeiro passo que crusa a linha amarela. A surpresa veio ao perceber que ao menos mais vinte pessoas entraram depois dele e sem esforço nenhum ele parou no meio do vagão. Só se preocupou em não deixar o violão se expremer contra um acento ou algo que pudesse danificá-lo. Ainda pôde sorrir de canto de boca ao perceber que não precisaria segurá-lo. Tudo culpa do tempo, da hora que escorria por entre seus dedos de unhas compridas...
A chuva fina não permitia que as pequenas janelas superiores ficassem abertas e em um primeiro momento, sentiu a cabeça tontear e o ar lhe faltar nos pulmões, mas depois lembrou do motivo da pressa e pôde até relaxar um pouco. Estava atrasado, mas estava a caminho. E, mesmo sendo tão magrinho, sentia seu corpo todo suar naquela eternidade que levava entre uma parada e outra. Chegou a tirar o chapéu por duas ou três vezes e pentear o cabelo liso na tentativa de não deixá-lo grudar na testa.
Finalmente o metrô parou e ele, com urgência, se jogou no meio da multidão na esperança não só de conseguir chegar até a porta antes que ela se fechasse, como de ser o primeiro a encontrar o ar puro.
Mais uma vez ele correu naquele dia e, sem proteção, misturava as gotas de suor às daquela chuva insistente.
Minutos depois ele conseguiu visualizar o destino pretendido e, de envergonha pelo atraso, ou ansiedade pelo fim da espera, caminhou a passos lentos em direção a ela, que de cabeça baixa se concentrava em ler um livro.
Ao notar a sombra se espalhar pela mesa, ela tomou um minuto e observou as proporções antes de morder os lábios, virar-se e dizer:
- Você está atrasado.
- Eu sei. Me desculpe.
Ela então sorriu com singeleza e, sem se levantar, envolveu a cintura dele com os braços e se sentiu ensurdecer ao ouvir seu coração.
Morena nov/09
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